Transcrição – Episódio Comunicação e Democracia (LE1)
[00:00:00]
Locutor: Esse podcast apresenta recursos de acessibilidade. Acesse labpp.unb.br
[00:00:03]
[Fala externa do ex-presidente Jair Bolsonaro]: …Quando descobri o famigerado Kit Gay nas escolas…
[Fala externa de William Bonner]: Gente que é capaz de entrar num WhatsApp da vida e sair espalhando mentiras…
[Fala externa do ex-presidente Jair Bolsonaro]: Acometido de uma gripezinha ou resfriadinho…
[00:00:17]
[Vinheta Bossa Nova com estética de rádio e a palavra Labiar sendo repetida diversas vezes]
[00:00:27]
Maria Eduarda, apresentadora: Olá, eu sou a Maria Eduarda.
[00:00:28]
Marcos, apresentador: E eu sou Marcos. E esse é o Labiar: o podcast em comemoração aos 20 anos do Laboratório de Publicidade e Propaganda da UnB.
[00:00:37]
Maria Eduarda: E hoje, vamos labiar sobre comunicação e democracia, mais especificamente sobre fake news, desinformação e pós-verdade. Os trechos que vocês acabaram de ouvir refletem muito sobre o que vamos tratar nesse episódio.
[00:00:43]
[Campainha]
[00:00:50]
Marcos: A internet democratizou o acesso a todo tipo de informação. E não foi diferente com a comunicação política.
[00:00:56]
Maria Eduarda: Hoje, os cidadãos têm, na palma da mão, informações sobre as propostas de políticos para o mandato, sobre os projetos de lei que estão sendo desenvolvidos, sobre o que seus representantes políticos têm feito…
[00:01:06]
Marcos: A internet e as redes sociais permitem uma participação ativa dos cidadãos, que podem questionar e demandar àqueles que estão no poder e serem ouvidos.
[00:01:15]
Maria Eduarda: Diversos movimentos sociais foram iniciados e fortalecidos na internet. Os protestos, conhecidos como
Primavera Árabe, por exemplo, ocorreram a partir de 2010, em vários países do Mundo Árabe, contra a corrupção do governo e o desemprego. Twitter e Facebook foram ferramentas chaves para que esse movimento ocorresse, e foram utilizados a fim de mobilizar a população, promover manifestações e informar o mundo do que estava acontecendo.
[00:01:38]
Marcos: Porém, a internet não foi usada somente para fortalecer a democracia. São muitos os casos em que ela foi utilizada para propagar desinformação, discursos de ódio, manipular as pessoas, e influenciar profundamente no resultado de eleições no mundo todo.
[00:01:53]
Maria Eduarda: Para começarmos a labiar sobre isso, ative o modo escuta pra alguns conceitos importantes sobre o tema
[Rádio sintonizando. Vozes indistintas fazem perguntas: o que é isso? Não entendi? Oi? Hum? Que é isso?]
[00:01:59]
Marcos: As Fake news se referem a informações falsas que são publicadas como notícia. Elas são motivadas por razões políticas ou para fins fraudulentos.
[00:02:14]
Maria Eduarda: A desinformação é uma informação falsa propaganda com o objetivo de conduzir ao erro.
[00:02:19
Marcos: Por último, na pós-verdade os fatos passam a não ser tão importantes quanto a opinião pessoal. Basicamente o momento em que a verdade não é tão importante quanto algum dia já foi.
[Rádio sintonizando. Vozes indistintas: Ah, entendi. Ah, agora faz sentido]
[00:02:29]
Maria Eduarda: Agora que a gente já sabe sobre esses termos é importante lembrar que, na prática, fake news, desinformação e pós-verdade já existem há algum tempo e têm impactado a democracia. Um caso emblemático do uso da internet e das redes sociais com fins de manipular as pessoas, é o da Cambridge Analytica. Que, em 2016, influenciou profundamente os rumos da eleição estadunidense através das redes sociais.
[00:02:58]
Marcos: O que aconteceu foi o seguinte. A Cambridge Analytica era uma empresa de análise de dados, que em 2016 estava trabalhando com a equipe responsável pela campanha de Donald Trump. Na época, ela era presidida por Steve Bannon, que era o principal assessor de Trump.
[00:03:14]
Maria Eduarda: Para impulsionar a campanha, a Cambridge Analytica utilizou dados privados de usuários do Facebook. Isso foi feito por meio de um aplicativo, onde as pessoas fizeram um teste de personalidade e permitiram que os resultados fossem usados para fins acadêmicos. O que elas não sabiam, era que seus dados seriam utilizados para revelar os padrões do seu comportamento e suas inclinações políticas, e que isso seria crucial para que a publicidade da campanha de Trump agisse de forma mais certeira sobre elas.
[00:03:40]
Marcos: Todo esse esquema foi descoberto depois que Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica, denunciou a empresa. Ele contou que 270 mil pessoas receberam pequenas quantias de dinheiro para fazer o teste de personalidade, onde a empresa teve acesso não só aos dados da própria pessoa mas também de todos os seus amigos no Facebook. No total, mais ou menos 87 milhões de pessoas tiveram suas informações pessoais coletadas, sem autorização.
[00:04:07]
Maria Eduarda: Os dados permitiram que a Cambridge Analytica pudesse exibir os materiais pró-Trump e contra Hillary Clinton que mais apelariam a indivíduos, específicos, de acordo com raça, gênero, idade, classe social, localização geográfica, ou
posicionamento político, por exemplo. E é claro que as pessoas em dúvida quanto a seu voto foram os principais alvos da campanha por serem mais fáceis de convencer já que não tinham uma opinião formada.
[00:04:21]
Marcos: Esse caso acabou na justiça. E em 2018 o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg prestou depoimento ao Senado estadunidense, respondendo questões sobre regulamentação nas redes e segurança de dados. Em 2019, a justiça determinou que a empresa deveria pagar uma multa de 5 bilhões de dólares pelo uso indevido de dados dos usuários. E logo mais, em 2022, o Facebook fez um acordo preliminar para acabar com o processo.
[00:04:48]
Maria Eduarda: Mas o caso do envolvimento da Cambridge Analytica não foi o único em que a comunicação, especialmente nas redes sociais, foi utilizada para manipular a democracia. Nem de longe. Também em 2016, houve um referendo para votar o, Brexit, proposta de saída do Reino Unido da União Europeia. A votação foi feita para saber a opinião da população e foram obtidos os seguintes resultados: 51,9% da população foi favorável à saída do bloco e 48,1% foi contrária. A decisão partiu do povo. Mas até que ponto essa decisão reflete a opinião verdadeira da população?
[00:05:24]
Marcos: A publicidade teve uma enorme influência no resultado da votação. Segundo Christopher Wylie, o funcionário que denunciou a Cambridge Analytica, “o ‘Brexit’ não teria acontecido sem a Cambridge Analytica”. A empresa, por sua vez, negou ter feito parte da campanha para a saída do Reino Unido da União Europeia.
[00:05:42]
Maria Eduarda: Mas, tendo havido participação da Cambridge Analytica ou não, é um fato que a propaganda teve um efeito significativo no resultado do referendo do Brexit, principalmente a propaganda nas redes sociais e direcionadas especificamente para cada pessoa. Segundo a BBC, durante esse momento, mais de 2,7 milhões de libras foram gastas para promover anúncios focados em grupos específicos.
[00:06:06]
Marcos: Esses anúncios veiculados nas redes sociais destacavam questões específicas, indo desde direitos dos animais a empreendedorismo. E tinham como objetivo causar impacto em indivíduos pertencentes a determinados grupos. Também foram baseados na idade, localização geográfica e outros dados pessoais encontrados nas redes sociais e outras fontes.
[00:06:26]
Maria Eduarda: “Animais não são entretenimento. Pare a exploração animal”, junto com uma imagem de touradas em um dos países da União Europeia. “A União Europeia está nos impedindo de produzir o tipo de inovação, que cria empregos e faz com que nossa economia cresça.” “Toda semana, nós enviamos 350 milhões de libras para a União Europeia, o suficiente para construir um novo hospital a cada 7 dias.”
[00:06:48]
Marcos: Esses foram alguns dos anúncios recebidos por defensores dos animais, empreendedores e idosos, apelando para interesses específicos desses grupos, e que influenciaram o voto favorável ao Brexit. As 1.433 mensagens focadas em temas diferentes foram vistas mais de 169 milhões de vezes no Facebook.
[00:07:09]
Maria Eduarda: Trazendo esse assunto mais pra perto, vamos falar sobre as eleições brasileiras de 2018. Foram as primeiras no país em que a internet foi crucial para a comunicação dos candidatos e para o resultado. Foi também nessas eleições que as fake news foram compartilhadas em peso e influenciaram profundamente no voto de muitas pessoas.
[00:07:27]
Marcos: As fake news foram disseminadas nas redes sociais, em especial no WhatsApp, que segundo uma pesquisa da Agência
Senado, foi a fonte de informação mais utilizada pelos entrevistados. O whatsapp foi citado por 79% dos entrevistados, enquanto sites de notícias foram citados por apenas 38%. A mesma pesquisa constatou que 83% dos brasileiros consideram que o conteúdo visto nas redes sociais influencia sua opinião.
[00:07:53]
Maria Eduarda: Com esses dados, é mais fácil entender o fenômeno das fake news no período eleitoral.Em 2018, informações falsas foram chave para a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. Circularam nas redes sociais, e em especial nos grupos de WhatsApp rumores que o candidato do PT Fernando Haddad apoiaria a distribuição de um Kit Gay nas escolas, que a candidata à vice presidência Manuela D’ávila teria tatuagens de Che Guevara e que uma das propostas do rival de bolsonaro seria uma Bolsa Ditadura de mais de 30 mil reais para anistiados.
[00:08:20]
Marcos: Apesar de não ter sido comprovada a relação das fake news com a campanha oficial de Bolsonaro, é um fato que elas causaram pânico em algumas pessoas e influenciaram o voto delas. Mas, em 2018, as redes sociais não foram utilizadas só na propagação de fake news. Elas também foram um meio de aproximação dos candidatos e seu público.
[00:08:42]
Maria Eduarda: A eleição de 2018 foi a primeira em que as redes sociais tiveram mais influência na campanha eleitoral à presidência do que os programas eleitorais. A propaganda política que antes era feita principalmente nos meios de comunicação de massa e tinha regras claras, passou a ser veiculada na internet, onde a regulamentação se tornou um desafio.
[00:09:01]
Marcos: As principais informações para as eleições passaram a ser postadas nas redes sociais dos candidatos ao invés dos debates. O ex-presidente Jair Bolsonaro é um exemplo de como a popularidade nas redes sociais possibilita a ascensão ao poder. Ele se popularizou na internet ainda como deputado, quando tornou-se meme por sua personalidade e falas polêmicas. Segundo uma matéria do UOL, publicada em 2018, as redes sociais sustentaram a ascensão de Bolsonaro ao poder.
[00:09:31]
Maria Eduarda: Ele construiu uma grande base de apoiadores e seguidores nas redes sociais. Tendo, em 2018, mais de 12 milhões de pessoas o acompanhando no Facebook, Twitter e Instagram. Apesar de não ter comparecido aos debates, Bolsonaro fez lives
no Facebook para falar sobre suas propostas e se aproximar de seu público. Steve Bannon, ex-presidente da Cambridge Analítica e assessor de Trump na campanha de 2016, chegou a dizer que Trump poderia ter economizado muito dinheiro na
corrida presidencial de 2016 se tivesse aprendido a usar o Facebook como Bolsonaro usou em sua campanha.
[00:10:05]
Marcos: Em 2018, Bolsonaro tinha o maior engajamento nas redes sociais dentre todos os candidatos. As eleições desse mesmo ano inauguraram uma nova era de comunicação política no Brasil, em que as redes sociais tornaram-se um dos fatores de maior importância.
[00:10:21]
Maria Eduarda: A comunicação política feita pelas redes sociais ganhou ainda mais força nas eleições de 2022. Um exemplo emblemático disso foi a competição entre Lula e Bolsonaro por visualizações em entrevistas de podcast. Foram mais de 1,1 milhão de pessoas assistindo ao vivo a transmissão da entrevista de Bolsonaro no podcast Inteligência LTDA, e foram 1.096.000 assistindo Lula ao vivo no Flow Podcast.
[00:10:47]
Marcos: Em 2022, Bolsonaro continuou sendo destaque nas redes sociais, buscando se aproximar principalmente do público jovem. Exemplo disso foi quando comentou um tweet da cantora Anitta e teve mais de 5.000 comentários, 11 mil retuítes e 3 mil curtidas. Ou quando ele ironizou a aliança entre Alckmin e Lula por meio de um comentário no Twitter, e teve mais engajamento que o próprio post original. Ele utilizou de memes
que apelam para esse público e chegou a crescer 5 pontos percentuais entre jovens de 16 a 34 anos entre março e abril de 2022, mesmo antes que o período da campanha eleitoral começasse.
[00:11:27]
Maria Eduarda: As campanhas políticas online além de terem se tornado uma espécie de concurso de popularidade nas redes sociais, se beneficiam das fake news para se impulsionarem, como foi visto em 2018. Por isso, com o crescimento da comunicação eleitoral por meio das redes sociais, o TSE se mobilizou para que, em 2022, não acontecesse a propagação de fake news e desinformação como ocorreu em 2018.
[00:11:49]
Marcos: Em uma das eleições presidenciais mais disputadas dos últimos tempos, o posicionamento do TSE foi crucial para garantir uma imagem eficiente do órgão, esclarecer dúvidas da população e atuar no combate à desinformação. Para isso, eles lançaram um programa de enfrentamento à desinformação: o Fato ou Boato, onde notícias eram apuradas e recebiam selo de verdadeiro ou falso pelo Tribunal Superior eleitoral.
[00:12:15]
Maria Eduarda: O programa foi um sucesso, contribuindo para fomentar a circulação de conteúdos verídicos e estimular a verificação por meio de notícias checadas. Além disso, ajudou
com os efeitos negativos provocados pela desinformação relacionada à democracia.
[00:12:29]
Marcos: Na mesma frequência, a apuração dos votos foi transmitida ao vivo através das redes sociais do órgão, o que amparou a cobertura da imprensa nacional e internacional das eleições e também serviu para aproximar o público.
[00:12:42]
Maria Eduarda: Você deve estar se perguntando quais os impactos disso tudo na sua vida.
[00:12:46]
Maria Eduarda: E a resposta a gente te conta agora mesmo
[00:12:49]
Marcos: Do ponto de vista comunicacional, os fatos expostos contribuem para a descredibilização do jornalismo, já que as pessoas não buscam mais uma fonte de confiança antes de repassar a notícia.
[00:13:00]
Marcos: A descredibilização da imprensa afeta, não só os profissionais de comunicação, mas também a população, que consome as notícias sem apuração e tende a acreditar, conviver e repassar a notícia, se tornando massa de manobra.
[00:13:14]
Maria Eduarda: O fato de as pessoas não mais se preocuparem com as fontes das informações contribuem para as chamadas “bolhas sociais”, em que se consome apenas notícias favoráveis às suas próprias crenças. O que faz com que as pessoas estejam inclinadas a permanecer acreditando fielmente nelas. Diversos fatores contribuem para isso, desde os próprios algoritmos das redes sociais, ao ciclo social de convivência. Cabe a nós mesmos a preocupação de sair da bolha social e tentar enxergar o outro lado da moeda.
[00:13:41]
Marcos: Isso também nos leva a pensar sobre a construção da era da pós-verdade, que muitos autores já consideram estarmos vivenciando. As fake news dentro da própria bolha social constróem um falso sentimento de que a única verdade possível é aquela consumida. E mesmo quando se fala sobre a verdade universal, algumas pessoas optam por escolher não acreditar, já que a única verdade possível é a que vai de encontro com as suas crenças, objetivos ou ideologias.
[00:14:07]
Maria Eduarda: Enfim, o grande impacto causado por isso tudo é a ameaça à democracia. Tema principal desse episódio do labiar. A comunicação pode se apresentar como instrumento poderoso, podendo ser utilizada para promoção de informação,
transparência e garantia de direitos, mas também para a manipulação das massas. Cabe a nós, futuros comunicólogos, reafirmar o compromisso com a ética profissional e moral na missão de comunicar. E à sociedade como um todo, se informar de forma confiável, buscar sair da bolha social e não contribuir para o fortalecimento da era da pós-verdade.
[00:14:49]
[Bossa nova ao fundo com uma voz feminina em eco dizendo “Atenção! Isso não é uma publi!” com efeitos de rádio sintonizando no final]
Marcos: Isso não é uma publi mas, aproveitando o gancho, uma produção que retrata muito bem tudo o que foi falado é o filme NO, que mostra como a comunicação foi crucial para finalizar o
governo ditatorial de Augusto Pinochet, em 1988, no Chile. No filme, a população é convocada para votar SIM, para a permanência de Pinochet ou NÃO para a sua saída. Para isso, publicitários foram contratados para desenvolver uma campanha que pudesse convencer a população de que o voto NÃO, como sugere o título do filme, seria a melhor opção.
[00:15:21]
Maria Eduarda: Obrigada por ouvir o nosso Labiar e até o próximo episódio!
[Som de rádio sintonizando e sendo desligado. Música jazz animada.]
[00:15:25]
Marcos: Esse episódio utilizou trechos do Jornal Nacional e falas do ex-presidente Jair Bolsonaro.
[00:15:27]
[Vinheta de jazz animada com efeitos de rádio no final]
[00:15:38]
Locutor: Laboratório de Publicidade e Propaganda, criatividade em todos os sentidos.